Entrevista: Reestruturação de operações cresceram na pandemia – o que esperar daqui para a frente?

Saiba como funciona o processo de reestruturação, renegociação de dívidas e execução de garantias nas operações de CRI e CRA

A crise econômica provocada pela pandemia de COVID-19 gerou aumento no número de reestruturação de operações de CRI e CRA. Grande parte das solicitações por parte das empresas estão relacionadas ao prazo de carência para pagamento, um movimento preventivo para preservar o caixa. Para explicar esse cenário, conversarmos com Bruno Rovella, gerente da área jurídica e de reestruturação de operações da True Securitizadora.

Como as operações de CRI e CRA foram impactadas nesses últimos meses, em função da pandemia do novo coronavírus COVID-19?

Desde meados de março, nos últimos três meses, um número crescente de operações foram reestruturadas. Entre estas operações, cerca de metade foi por razões decorrentes da crise econômica provocada pela pandemia. Dessas, aproximadamente 90% referem-se a operações de CRI. De forma geral, foram operações lastreadas em contratos de compra e venda, de unidades habitacionais. E também operações que foram lastreadas em contratos de locações comerciais e locações de shopping, que foi um ramo muito afetado pelas medidas de isolamento social do COVID-19.

Quais foram os principais pedidos das companhias para a reestruturação?

O principal ponto foi carência de pagamento. Cada companhia teve necessidades específicas, mas podemos considerar, em média, uns três meses de carência. Principalmente para aquelas operações lastreadas em contratos de compra e venda ou contratos de locação. Os shoppings, por exemplo, por estarem fechados. Então, consequentemente, as empresas se tiveram a necessidade de repactuar suas emissões. A maioria de nossas operações conta também com o mecanismo de fundo de reserva, que cobre os pagamentos aos investidores em eventual situação de emergência. Então, as companhias também solicitaram a utilização desse fundo e, consequentemente, mais prazo para sua recomposição junto com o pedido de carência.

Como funciona a reestruturação de uma operação de CRI ou CRA?

Sempre que há pedido fundamentado do investidor ou da companhia cedente dos créditos para a alteração de alguma condição (convenant) daquela operação, como por exemplo, carência de pagamento, alteração na data de vencimento ou datas de pagamento, a True leva esse tema para deliberação em assembleia dos titulares dos CRI ou dos CRAs.

Importante ressaltar que, como securitizadora, temos papel fiduciário. Então, precisamos filtrar os pedidos que chegam, avaliar o que é possível e se há boa fundamentação. Antes mesmo de levar aquela solicitação para os investidores, a securitizadora pode e deve cobrar informações complementares que embasem esse pedido. Temos esse papel fiduciário de acompanhamento das operações.

Em que circunstâncias pode ser convocada uma assembleia com os titulares dos CRIs ou CRAs?

Simplesmente pode vir o pedido por parte do próprio investidor ou por parte da companhia para determinado assunto ir para a assembleia. Ou então, em função de algum descumprimento por parte da empresa cedente dos créditos. Existem condições que a companhia deve cumprir, obrigações que foram pactuadas nos documentos de constituição daquela operação.

Como atua a área jurídica e de reestruturação da True?

Toda vez que recebemos um pedido de reestruturação de operação nós vamos levar esse assunto para os investidores e formalizar todos os procedimentos necessários aos aditamentos dos documentos da operação. Cada operação de CRI e CRA tem um “kit” de documentos principais daquela oferta. Então, a cada reestruturação que uma operação passar, vamos aditar também aqueles documentos para refletir o que foi deliberado na assembleia.

Nós atuamos sempre em parceria com a área de operações, que tem um analista responsável para cada operação. Então, quando há algum descumprimento por parte da companhia cedente dos créditos, somos informados pelo analista responsável e, consequentemente, o jurídico toma alguma providência, qual seja o envio de uma notificação para a empresa ou levar aquele assunto para deliberação dos investidores em assembleia. Então, atuamos de maneira muito forte com a área de operações, assim como finanças, controladoria, contabilidade e também compliance.

Qual o rito quando uma companhia deixa de pagar uma parcela da sua dívida?

Quando há inadimplemento, nós notificamos a companhia e determinamos um prazo de cura para ela cumprir aquela obrigação. Se ela não cumprir dentro daquele período, levamos o assunto para a assembleia. E aí o investidor terá a possibilidade de decretar o vencimento antecipado daquele papel ou oferecer um waver (concessão) para a companhia sob algumas condições, de acordo com os interesses dos investidores, claro.

Qual tem sido a maior preocupação por parte dos investidores?

Um dos maiores questionamentos, quando os investidores recebem o pedido de carência por parte da empresa, é que eles precisam ver os números. Não basta a companhia solicitar a carência sem oferecer a devida fundamentação, ou seja, sem apresentar dados: as demonstrações financeiras, o balanço ou até mesmo uma previsão de recebíveis para os próximos meses. Para que assim o investidor tenha a capacidade de analisar aquele pleito e possa levar para o seu comitê deliberar se pode aprovar ou não.

O maior volume de pedidos de reestruturação aconteceu em que momento da pandemia?

Nós tivemos um número maior de pedidos no começo da pandemia. Porque as companhias, até por uma questão de segurança, já começaram a tomar certas precauções de fluxo de caixa. Então, logo no começo da crise elas já resolveram entrar em contato conosco e com os investidores para pedir a renegociação desses papéis. O que é compreensível: em situações de crise, se uma companhia deixar para pedir a reestruturação mais para a frente, poderá estar com um problema de fluxo de caixa ou não terá tempo hábil para fazer aquela renegociação. Então, recebemos mais pedidos no começo da pandemia, em abril e maio, principalmente. Depois começamos a ver uma queda nesse número de renegociações. Foi diminuindo aos poucos.

Como fica a segurança do investidor se a companhia, por algum motivo, deixar de cumprir suas obrigações?

A partir do momento em que a companhia perceber que não vale mais a pena continuar com a operação, ela tem a possibilidade de recompra. E, se por acaso, ela descumprir com suas obrigações, o investidor tem para a sua segurança a possibilidade de executar as garantias que foram constituídas dentro daquela operação. Então, se a companhia deixar de pagar as parcelas, e mesmo após a notificação, após o prazo de cura, não efetuar o pagamento, os investidores podem deliberar em assembleia sobre o vencimento antecipado daquela operação, e a True, como fiduciária, dará início ao processo de execução da garantia. Se por exemplo, a garantia for a alienação de um imóvel, a securitizadora vai executar isso, haverá o rito de leilão do imóvel e os recursos da venda serão utilizados para ressarcir o investidor.

Então, a segurança que o investidor tem para o caso de eventual inadimplência são as garantias constituídas no âmbito daquela operação. Por isso, a maior preocupação dele, na largada, é que essas garantias sejam constituídas e registradas. A True, como fiduciária, tem esse dever de acompanhar o registro e as constituições dessas garantias, para que ele não fique descoberto.

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