2020 foi um ano atípico para todos os mercados, inclusive o financeiro. Qual foi seu impacto nas operações de securitização? Quais lições deixará? Confira nossa análise com o Diretor de Investimentos da True, Maximiliano Marques, e Head de Operações, Rodrigo Santos.
Da euforia ao pânico
Maximiliano Marques destaca que este ano será objeto de muitos estudos no futuro. Contudo, sob o olhar do momento, é possível dividir 2020 em três partes: o período pré-pandemia, fase dura da COVID-19 e pós-COVID-19.
Fase pré-pandemia – O Diretor da True ressalta que 2020 começou com otimismo e até euforia no mercado financeiro. Em setembro de 2019, o recém-eleito governo Bolsonaro havia aprovado a Reforma da Previdência junto ao Congresso, marco que deu perspectiva muito positiva de crescimento para o Brasil em médio e longo prazo.
Entendeu-se que o governo teria uma linha mais ortodoxa em relação à economia, na figura do Ministro Paulo Guedes, com a Reforma da Previdência, e a perspectiva de realização da Reforma Tributária, Reforma Administrativa e privatizações.
“Os mercados compraram a ideia de que o Brasil estava avançando do ponto de vista das reformas. Estávamos numa trajetória econômica positiva: queda forte da taxa de juros, redução de spreads de crédito, inflação comportada, desemprego melhorando aos poucos, projeto de autonomia do Banco Central andando. A Bolsa bateu 120 mil pontos, dólar na casa de R$ 4,00 e já se cogitava que o País poderia voltar a ter a classificação investment grade”, destaca Max.
Expectativas promissoras – O mercado de securitização também começou 2020 muito otimista, complementa o Head de Operações da True, Rodrigo Santos. O primeiro trimestre foi agitado por novas cotações. Empresas mostravam crescente interesse nas operações de Certificados de Recebíveis Imobiliários – CRI e Certificados de Recebíveis do Agronegócio – CRA para financiar seus projetos, aproveitando a queda da taxa Selic.
“O ano de 2019 já havia sido um bom ano, do ponto de vista de volume e número de operações. Isso não só para a True, mas para o mercado em geral. Foi um ano de emissões histórica, de recordes. Então, 2020 tinha tudo para ser um ciclo de muitos negócios e acesso à capital, dada a trajetória dos juros. A conjuntura favorecia o surgimento de novos emissores”, acrescenta Rodrigo.
Fase dura da COVID-19 – Quando foram noticiados os primeiros lockdowns na China, devido ao contágio acelerado do novo coronavírus, o resto do mundo ainda não tinha dimensão da escala global que a doença alcançaria. Depois vieram os lockdowns em países da Europa e outros pontos do globo, e os mercados ficaram cada vez mais nervosos.
“Acho que ninguém no mercado financeiro jamais cogitou a possibilidade de Nova York, Londres, Hong Kong, as grandes capitais financeiras do mundo, ficarem fechadas. Isso levou a uma situação de pânico global. A Bolsa brasileira teve em poucos dias uma queda fortíssima, ficou abaixo dos 80 mil pontos. O dólar bateu quase R$ 6,00. Vivemos uma situação de caos do ponto de vista econômico”, observa Max.
O mercado ficou travado, o que também impactou as operações de securitização. O investidor topa o risco, mas não topa a incerteza. “Na incerteza extrema, não há negócios. E quando não se tem negócios, ninguém sabe qual o preço correto dos ativos financeiros – o que está caro, barato, como precificar. Então, houve uma grande discussão sobre como precificar papéis nesse período, inclusive de grandes empresas. Na Bolsa, vimos papéis de companhias até de setores defensivos, como energia elétrica, sendo negociados com 20, 30% de desconto nominal”.
O impacto mais agudo da pandemia de COVID-19 permeou os meses de abril, maio e junho. Os investidores mais agressivos aproveitaram as oportunidades para comprar papéis de boa qualidade com desconto. Em seguida, o mercado passou por um grande momento de questionamento.
Reinvenção e análise de dados – Empresas tiveram que se adaptar ao “novo normal”, adequando operações ao modelo home office (no caso dos negócios que tinham essa possibilidade), e aprimorando canais digitais de governança, comunicação e vendas. Antecipando os efeitos econômicos da quarentena prolongada, muitas companhias se adiantaram na renegociação de contratos e corte de despesas.
“Monitoramos muito a questão da inadimplência nas carteiras, em função dos efeitos do aumento da taxa de desemprego durante a pandemia. Acompanhamos também a questão dos aluguéis corporativos. Várias empresas perceberam que o modelo home office funcionava e começaram a questionar o retorno aos escritórios físicos. Então, foi um trimestre em que todo mundo fez análise de dados, observando como o mercado iria se comportar”, acrescenta Rodrigo.
Algumas operações de securitização também passaram por esse movimento de ajuste. Para estimular a economia e o mercado de capitais, o Banco Central continuou a derrubar as taxas de juros, que atingiu o patamar mínimo histórico de 2% a.a. em agosto.
Acomodação e retomada das atividades – A partir do final de julho, o cenário começou a se tornar mais animador. Cientistas e médicos já conheciam melhor os mecanismos de transmissão e tratamento da COVID-19. Pessoas e empresas aprenderam a conviver com o cenário de pandemia. Entendeu-se que a doença se manifestava de forma diferente nos indivíduos, alguns mostravam-se assintomáticos ou tinham sintomas leves e grande parte dos casos de letalidade concentravam-se nos grupos de risco.
As perspectivas positivas avançaram, conforme os números de contágios diários se estabilizavam ou caíam. Notícias destacavam que vacinas em desenvolvimento estavam tendo êxito nas fases de teste. Vários negócios começaram a planejar a retomada de atividades presenciais.
“As pessoas entenderam que o mundo não iria acabar, haveria futuro; a situação se normalizaria assim que houvesse uma vacina. Quando o mercado financeiro compreendeu isso, os preços dos ativos começaram a se recuperar, incluindo ações e títulos de dívida de setores especialmente afetados, como turismo, varejo de rua, entretenimento e refeição fora de casa”, observou Max.
Crescimento postergado – As operações de securitização começaram a destravar, embaladas pela manutenção da taxa de juros baixa, o que diminui o custo pelo lado do tomador, e o aumento do apetite dos investidores ao risco, em busca de papéis com maior rentabilidade, em cenário de juro real abaixo de 1%. “Quem estava minimamente preparado para ir a mercado, em termos de governança e estrutura, com um risco atraente para os investidores, decidiu voltar a fazer negócio”, complementa Rodrigo.
Apesar dos solavancos de 2020, a equipe da True Securitizadora conseguiu entregar resultados muito próximos ao de 2019. No acumulado dos três primeiros trimestres deste ano, a empresa fez R$ 2,6 bilhões em operações de CRI, versus R$ 2,7 bi no ano passado, e manteve a casa de 40 séries, destaca o Head de Operações. Com relação às operações de CRA, no mesmo período, o volume emitido pela True foi de R$ 1,5 bilhão, frente a R$ 1,9 bi em 2019.
“Se a pandemia não tivesse acontecido, provavelmente o mercado de securitização teria crescido na faixa de 40 a 50% neste ano. Mas dada a dimensão da crise, fechar 2020 em patamar muito próximo a 2019 – que já havia sido um ano muito bom – é muito positivo”, destaca Rodrigo. “O que podemos considerar é que tínhamos potencial de crescer muito mais, e isso foi postergado em função do processo pandêmico”.
Aprendizados da COVID-19 – Enquanto o mundo vive neste momento uma segunda onda de aceleração dos casos do novo coronavírus, ainda há dúvidas sobre o momento em que a pandemia terá sido efetivamente erradicada. Mas podemos elencar alguns aprendizados deste ano.
“O maior aprendizado, não só para o mercado de securitização, mas para todos, é sobre resiliência: o mundo não acaba. Tivemos um momento de grande ruptura, que nos forçou a refletir sobre nossas crenças mais íntimas. Mas o mundo não para; ele pode desacelerar, mas sempre tem a capacidade de se reinventar. O ser humano é capaz de lidar com qualquer desafio e superá-lo”, resume Max.
Esse período também reafirmou a importância do investimento em alguns setores, como tecnologia, e-commerce, varejo alimentar, comunicação e entretenimento digital, imóveis residenciais, loteamentos, logística e agronegócio, que terão neste um dos melhores anos de suas histórias.
2020 trouxe ainda aprendizados sobre a forte interconectividade global e sua dimensão em termos de riscos e oportunidades. Também destacou-se a importância da educação financeira, para prevenir que investidores, especialmente pessoas físicas, tenham perdas significativas de patrimônio em momentos de alta volatilidade. Constatou-se ainda a importância do convívio social fora de casa para a saúde mental dos trabalhadores. Nesse sentido, o mercado de shoppings, que ainda sofre questionamento, deve retornar com força, dada sua função de grandes centros de entretenimento e facilidades.
O investidor deverá olhar para essas tendências com atenção e se posicionar. “Se compararmos com o patamar pré-COVID, o mercado está com volume de negócios em torno de 70% do que era. O que não é ruim, dada a dimensão de tudo o que aconteceu. Foi um grande aprendizado para todos e o mercado financeiro está se recuperando bem”, conclui Max.